quinta-feira, 6 de março de 2008

Povo de santo se despede de Yalorixá

Foi sepultado ontem à tarde, com um grande acompanhamento no Cemitério da Piedade, em Cachoeira, cidade histórica do Recôncavo baiano, distante 110 km de Salvador, o corpo da yalorixá Maria Souza de Jesus. A yalorixá Maria de Justo como era conhecida sucedeu ao seu pai, o babalorixá Justiniano Souza de Jesus, no cargo de zeladora do terreiro Ylê Axé Ogodô Dei, uma das mais antigas e tradicionais casas de santo da nação nagô de Cachoeira, situada na Ladeira da Cadeia. No dia 26 de janeiro deste ano, Maria de Justo completou 58 anos de nascida, e 33 de feitura de santo.

Vestidos com roupas brancas filhos e filhas de santo, e sacerdotes de outras casas de santo participaram do cortejo fúnebre. Entoando cânticos, filhos e filhas de santo, abrindo o cortejo jogando pipoca, milho branco cozido e acaçá por todo o trajeto até o portão do Cemitério da Piedade, cumprindo o ritual realizado nessas ocasiões para o povo de santo. Desde 1989, com a morte do babalorixá Justiniano Souza de Jesus, Maria que era de Nanã Buruku foi escolhida para sucedê-lo no comando do Ilê Axé Ogodô Dei.

O desaparecimento da sacerdotisa foi lamentado por parentes, amigos, filhos e filhas de santos. Para o escultor Fory, Maria de Justo era uma referência como religiosa e cidadã. "Maria como todas as pessoas de Nana Buruku, sempre agia com calma, dignidade e muita benvolência. Sabia da importância que representava para o candomblé que herdou de seu pai, mas nunca deixou de ser decente e humilde. Ela vai fazer muita falta", disse Fory.

Yaçanã Cardoso da Cruz, 23 anos, filha adotiva da yalorixá disse que Maria de Justo foi para ela um grande exemplo em sua vida. "Minha mãe sempre serviu de exemplo para mim e para a minha irmã Juliana, também adotada por ela". "O candomblé de Cachoeira perdeu uma sacerdotisa muito importante", lamentou o estudante Antônio Manoel dos Santos, 22.

Maria de Justo era conhecida entre o povo de santo do Recôncavo por ser uma pessoa tímida e reservada, mas isso não impediu que fosse também conhecida nos meios acadêmicos da Europa e dos Estados Unidos. A sua casa era visitada freqüentemente por estudantes e pesquisadores das religiões de matrizes africanas, que a procuravam em busca de informações sobre a tradição do candomblé da nação nagô. Pela internet, o antropólogo Brian Brazael, dos Estados Unidos, também lamentou o desaparecimento da sacerdotisa. "Maria nunca freqüentou a universidade, mas os seus saberes sempre foram reconhecidos por todos, inclusive entre os estudiosos", escreveu o antropólogo. Recentemente, Maria contribuiu com o seu conhecimento para a monografia sobre saúde mental e religião, da estudante de psicologia norte-americana do estado da Geórgia, Kelrilyn Daniel.