domingo, 3 de novembro de 2013

BOBAGENS CACHOEIRANAS


Quando a turba ignara aumentou o tom e gritava que o escritor Demétrio Magnoli é racista, a equipe da livraria convidada pela Festa Literária Internacional de Cachoeira (Flica) tratou de retirar das estantes todos os livros desse autor. Temia que a turba repetisse o que sempre faz: queimar os livros.
Eram 10h, como previa o programa da Flica, quando o professor Jorge Portugal, mediador do programa da manhã deste sábado (26.10), convidou os debatedores Maria Hilda Baqueiro Paraíso, professora do Departamento de Antropologia da UFBA, e o escritor Demétrio Magnoli, autor, dentre outros, do livro “Uma gota de sangue”, cujo lançamento catapultou o autor ao estrelato midiático, sobretudo quando expressou sua opinião contrária às cotas raciais.
O tema, convém esclarecer desde já, não eram as cotas, mas “Donos da terra? Os neoíndios, velhos bons selvagens”. Isso me interessava, sobretudo porque a condução da política indigenista atual parece-me perigosa e frágil. Pois bem. O mediador fez a primeira pergunta e passou a palavra para a professora Hilda. Em seguida, para Magnoli. Quando a palavra retornava para a professora Hilda, ouviu-se, no fundo da plateia, alguém chamando alguém de “racista”. E o apupo foi aumentando e se multiplicando. Foi assim que em seguida apareceram, vindos do fundo da plateia, os tais. Abriram faixa e insistiram no mantra de que Cachoeira é “terra preta” e ali Magnoli não poderia permanecer. Teria que ir embora.
Três da turba foram para o tablado onde estavam Jorge, Hilda e Demétrio. Um deles depositou aos pés de Demétrio uma cabeça de porco “in natura” e uma moça e um rapaz ficaram seminus e passaram a tingir a face e o tórax de tintas branca e vermelha. Algo bizarro.
O evento que começara às 10h foi interrompido às 10h20 e não houve negociação que permitisse o prosseguimento. Jorge, Hilda e Demétrio acabaram cedendo e deixaram o tablado por volta das 11h45.
Os recepcionistas e seguranças contratados pelos organizadores do Festival mantiveram a fleuma. A PM foi chamada, porém não chegou a atuar.
Circularam duas versões para explicar a origem da diatribe: teria sido urdida por dois professores da UFRB. Nessa linha, a versão acrescenta que, há mais de duas semanas, muita gente em Cachoeira já sabia que a manifestação aconteceria. A outra versão é de que a provocação foi patrocinada por uma ONG bem provida pelo Governo Federal. Pelo que ouvi, restou-me a versão de que a origem foi, de certo modo, respaldada por Brasília.
Fiquei constrangido porque não vi um cachoeirano com alguma autoridade e/ou algum juízo que funcionasse naquele instante como maestro da razão. Senti o perigo de que Magnoli venha a processar os organizadores do evento devido ao assédio moral que sofreu. Temi que a Flica, agora no seu terceiro ano, possa sofrer algum revés que dificulte sua continuidade. Temi que o episódio se constitua um retrocesso na consciência do povo da “Heróica”...
Enfim, saí de lá com a certeza de que o resultado daquilo será mais uma vez proveitoso para o escritor Demétrio Magnoli. O episódio o devolve ao circo midiático e isso é bom para vender livros.